A responsabilidade social da mídia - Venício Lima
A responsabilidade social da mídia
(por Venício Lima - colunista da Carta Maior) |
Há 62 anos, em 27 de março de 1947, era publicado nos Estados
Unidos o primeiro volume que resultou do trabalho da Hutchins Commission
¿ ¿A free and responsible press¿ (Uma imprensa livre e
responsável). A Comissão, presidida pelo então reitor da Universidade de
Chicago, Robert M. Hutchins, e formada por 13 personalidades dos mundos
empresarial e acadêmico, foi uma iniciativa dos próprios empresários e
foi por eles financiada.
Criada em 1942 como resposta a uma onda
crescente de críticas à imprensa, a Comissão tinha como objetivo formal
definir quais eram as funções da mídia na sociedade moderna. Na
verdade, diante da crescente oligopolização do setor e da formação das
redes de radiodifusão (networks), se tornara impossível sustentar a doutrina liberal clássica de um mercado de idéias (a marketplace of ideas)
onde a liberdade de expressão era exercida em igualdade de condições
pelos cidadãos. A saída foi a criação da ¿teoria da responsabilidade
social da imprensa¿. Centrada no pluralismo de idéias e no
profissionalismo dos jornalistas, acreditava-se que ela seria capaz de
legitimar o sistema de mercado e sustentar o argumento de que a
liberdade de imprensa das empresas de mídia é uma extensão da liberdade
de expressão individual.
Em países europeus, com forte tradição
de uma imprensa partidária, no entanto, a teoria da responsabilidade
social enfrentou sérias dificuldades e a doutrina liberal clássica teve
que se ajustar à implantação de políticas públicas que regulassem o
mercado e estimulassem a concorrência.
Responsabilidade Social
A
responsabilidade social tem sua origem associada à filosofia
utilitarista que surge na Inglaterra e nos Estados Unidos no século XIX,
de certa forma derivada das idéias de Jeremy Bentham (1784-1832) e John
Stuart Mill (1806-1873).
Nos anos pós Segunda Grande Guerra, a
responsabilidade social se constituiu como um modelo a ser aplicado às
empresas em geral e às empresas jornalísticas estadunidenses, em
particular, e começou a ser introduzido através de códigos de
auto-regulação estabelecidos para o comportamento de jornalistas e de
setores como rádio e televisão. O modelo está, portanto, historicamente
vinculado aos interesses dos grandes grupos de mídia.
A
responsabilidade social se baseia na crença individualista de que
qualquer um que goze de liberdade tem certas obrigações para com a
sociedade, daí seu caráter normativo. Na sua aplicação à mídia, é uma
evolução de outra teoria da imprensa ¿ a teoria libertária ¿ que não
tinha como referência a garantia de um fluxo de informação em nome do
interesse público. A teoria da responsabilidade social, ao contrário,
aceita que a mídia deve servir ao sistema econômico e buscar a obtenção
do lucro, mas subordina essas funções à promoção do processo democrático
e a informação do público (¿o público tem o direito de saber¿).
Para
responder às críticas que a imprensa recebia, a Hutchins Commission
resumiu as exigências que os meios de comunicação teriam de cumprir em
cinco pontos principais:
(1) propiciar relatos fiéis e exatos,
separando notícias (reportagens objetivas) das opiniões (que deveriam
ser restritas às páginas de opinião);
(2) servir como fórum para
intercâmbio de comentários e críticas, dando espaço para que pontos de
vista contrários sejam publicados;
(3) retratar a imagem dos
vários grupos com exatidão, registrando uma imagem representativa da
sociedade, sem perpetuar os estereótipos;
(4) apresentar e clarificar os objetivos e valores da sociedade, assumindo um papel educativo; e por fim,
(5) distribuir amplamente o maior número de informações possíveis.
Esses
cinco pontos se tornariam a origem dos critérios profissionais do
chamado 'bom jornalismo' ¿ objetividade, exatidão, isenção, diversidade
de opiniões, interesse público ¿ adotado nos Estados Unidos e ¿escrito¿
nos Manuais de Redação de boa parte dos jornais brasileiros.
Liberdade de imprensa vs. responsabilidade da imprensa
Analistas
estadunidenses consideram que a Hutchins Commision talvez tenha sido a
responsável por uma mudança fundamental de paradigma no jornalismo: da
liberdade de imprensa para a responsabilidade da imprensa. Teria essa
mudança de paradigma de fato ocorrido?
No Brasil, certamente, os
empresários de mídia continuam a defender seus interesses como se
estivéssemos nos tempos da velha doutrina liberal (que, de fato, nunca
vivemos). O discurso da liberdade de imprensa e da autoregulação
praticado no Brasil é historicamente anterior à Hutchins Commission.
Basta que se considere, por um lado, a concentração da propriedade e a
ausência de regulação na mídia e, por outro, as enormes dificuldades que
enfrenta até mesmo o debate de temas e projetos com potencial de
alterar o status quo legal.
Um exemplo contemporâneo são as
resistências ¿ que já se manifestam ¿ em relação à realização da 1ª.
Conferência Nacional de Comunicações.
As recomendações da
Hutchins Commission, se adotadas pelos grupos de mídia no Brasil,
representariam um avanço importante. Para nós, a teoria da
responsabilidade social da imprensa permanece atual, mesmo 62 anos
depois.
Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/A-responsabilidade-social-da-midia/22167
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